Os frades
seus filhos, que tinham acorrido com toda a multidão dos povos das cidades
vizinhas, que estavam tão contentes por participar daquela solenidade, passaram
toda aquela noite em que morreu o santo pai dando louvores a Deus, parecendo
sentinelas dos anjos pela doçura do júbilo e pela claridade das luzes. Quando
amanheceu, juntou-se a multidão de Assis com todo o clero e, carregando o
sagrado corpo do lugar em que morrera, levaram-no para a cidade entre hinos e
louvores, tocando trombetas. Tomaram ramos de oliveiras e de outras árvores e
seguiram solenemente o enterro, com muitas luminárias e cantando louvores com
voz sonora. Quando o cortejo, formado pelos filhos que levavam o pai e pelo
rebanho que acompanhava o pastor em busca do Pastor supremo, chegou ao lugar em
que ele tinha fundado a Ordem das santas virgens e senhoras pobres,
depositaram-no na igreja de São Damião, em que moravam aquelas suas filhas, que
tinham sido adquiridas pelo Senhor. Abriu-se então a janelinha pela qual as
servas de Deus costumavam receber a comunhão no tempo determinado. Abriu-se
também a arca em que o tesouro de virtudes supercelestes estava aguardado e em
que estava sendo levado por poucos aquele que costumava levar muitos. Então a
senhora Clara, que era clara de verdade pela santidade de seus merecimentos,
primeira Mãe das outras, porque tinha sido a primeira plantinha dessa Ordem,
chegou-se com as outras filhas para ver o pai, que agora já não lhes falava,
nem haveria de voltar a ela porque estava a caminho de outras paragens.
Suspirando e gemendo muito, olhavam para ele
em lágrimas e começaram a clamar com voz embargada: “Pai, pai, que vamos fazer?
Pobres de nós, por que nos abandonas? Por que nos deixas assim desamparadas?
Por que não nos mandaste alegres à tua frente para onde vais e nos deixaste
sofrendo deste jeito? Que mandas que façamos, presas neste cárcere, pois nunca
mais virás visitar-nos, como costumavas? Contigo vai-se embora toda nossa
consolação. Não haverá mais conforto igual para nós que nos enterramos para o
mundo! Quem nos acudirá em tamanha pobreza, não só de méritos como de coisas? Ó
pai dos pobres e amigo da pobreza! Quem nos socorrerá nas tentações, diz-nos
tu, que passaste por tantas e eras um precavido conhecedor desses males! Quem
nos consolará nas tribulações, diz-nos tu, socorro nas tribulações que nos
assaltaram em
demasia! Amarga separação e cruel ausência! Cruel morte, que trucidas milhares
de filhos e filhas, privando-os de semelhante pai, apressando-te em levá-lo
para longe sem retorno, ele a quem devemos o grande florescimento de nossos
esforços, se é que alguma coisa temos!” Mas o seu virginal pudor as impedia de
chorar mais e não ficava bem chorar demais por ele, quando em sua morte tinham
acorrido tantos exércitos de anjos, alegrando-se os cidadãos dos céus e os que
moram na casa de Deus. Entre a tristeza e a alegria, beijavam suas mãos
irradiantes, com todo o fulgor de pérolas preciosas e faiscantes. Quando ele
foi levado, fechou-se para elas a porta, que jamais poderá ser aberta para
outra dor comparável. Que grande compaixão tiveram todos pelo sofrido e piedoso
lamento dessas senhoras! Que grandes foram, principalmente, os gemidos de seus
filhos entristecidos! Sua dor singular era comum a todos, sendo impossível para
todos deixar de chorar quando os anjos da paz; choravam com amargura.
Quando todos
chegaram à cidade, com grande alegria e júbilo colocaram seu corpo santíssimo
no lugar sagrado, mais sagrado depois disso, em que, para glória de Deus
todo-poderoso, ilumina o mundo pela multiplicação de novos milagres, como até então
tinha ilustrado pela doutrina de sua santa pregação. Graças a Deus. Amém.
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